sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

No Brasil delinquentes matam por "maldade"




                                                Cunha e Silva  Filho



       Leitor que por acaso  me  lê,  saiba  que está  acontecendo em nosso país algo que  há tempos extrapolou  todos  os limites da paciência da sociedade.
        Quero aludir  à sanha de bandidos,  criminosos,  assassinos – faço  questão de  acentuar a minha indignação empregando   pelo menos estes três adjetivos disfêmicos -    que  já estão  matando por mera maldade,  em atos de  tamanha  violência  sem precedentes em nosso  país para vergonha das nações  civilizadas, o que leva o Brasil  a se alinhar  quase solitário entre  as nações  que mais  fazem vítimas fatais, covardemente, inocentes, crianças,  jovens,  adultos   idosos,  enfim,  os desprotegidos (porque só os facínoras no país  têm armas de fogo,  (amiúde até mais do que  policiais) deste país  que ora vivem a tragédia do fracasso  político-financeiro-moral.
       No país das inversões de valores,  no país em que  ainda funcionam normalmente, não obstante tantas imperfeições,  os três poderes,  em que se tem  uma presidente, em que se tem um Código Penal,  um  número grande  de juristas  do mais alto  porte,  bons advogados, causa muita  espécie  que nos  deparemos com  tanta carnificina  aqui, em todos os estados brasileiros,  sobretudo  no eixo Rio-São Paulo. Esse ignominioso  estado de coisas que aterroriza impunemente o cotidiano de   quem  trabalha,  de quem  tem  seu negócio,  de  quem  paga  impostos, juros altíssimos,   de quem sai à rua,  exige  mudanças drásticas  na legislação  penal  brasileira, pela  implantação  com urgência, ainda que por  tempo  limitado,  a prisão perpétua e,  nos casos mais   escabrosos,  a pena de morte. Não me venham  dizer que sou fascista,  porque não o sou. Fascistas são os que  deixar  perpetuar  essa infâmia de sociedade  cercada por ladrões de todos os níveis, sobretudo os white collars, fascistas são os que  mantêm  a impunidade para  milhares de  assassinos  soltos,  andando  livremente nas ruas  do  Brasil e cometendo as piores atrocidades contra o nosso  povo.
     Só para ilustrar vi, num programa de televisão bem  conhecido de quem  gosta  de  acompanhar  a sombria  realidade do crime  no país,   um senhor  de cinquenta e poucos   anos trabalhando no recinto de sua lanchonete. Está sozinho. De repente,  entram três jovens armados, anunciam  um assalto e se mostram  determinados a fazer qualquer coisa  má a fim de  arranjar dinheiro fácil, sendo bem provável que algum deles seja  “de menor.” 
     O trio, com dois  claramente  exibindo  revólveres,  entra  na lanchonete  em direção  àquele proprietário (ou gerente responsável). Pela  fisionomia,  usam  palavrões,  ameaçam, dão safanões    na vítima,   pedem  dinheiro,  sempre  com  gestos  de  extrema  violência sem que  o moço  possa  fazer nada. Empurram-no contra a parede, e   um dos   meliantes  dá uma facada que vai  rasgar  verticalmente  do estômago até  o umbigo  do moço.  
     Em nenhum  momento  o moço   revidou qualquer ataque contra  os vagabundos. Naturalmente  exigiram  que o moço lhes mostrasse  onde estava o dinheiro da caixa  registradora. Essa cena  trágica, pavorosa, diabólica  nos causa asco   e imprecações  contra  esses desalmados. É apenas um exemplo  de uma cena que se repete, com  algumas  diferenças  de níveis de selvageria,   na vida  diária do brasileiro. Quando  os degenerados  foram  levados para a delegacia,  riram  na cara do delegado  pelo que tinham  feito na lanchonete. Infames!
    Essa cena já se naturalizou, se  banalizou  e o povo honesto,  trabalhador,  cumpridor de suas obrigações para com  o Estado brasileiro se encontra  numa enrascada. Tem que sair porque necessita de trabalhar ou resolver algum  problema fora de casa. Mas a voz corrente se resume no que, de vez em quando,  afirma desesperançada: “A gente sai, porém não tem certeza de volta incólume para casa. Só Deus pode nos proteger.”
     Ora, leitor, isso é mais do que  suficiente para caracterizar um cenário  preocupante  para a sociedade civil. Ressalto que há tempos venho  defendendo  posições mais rígidas contra a violência  que ataca em todos os flancos, horas e lugares não só no asfalto mas nas favelas  brasileiras conhecidas  pela   balas  perdidas que podem vir tanto da  polícia quanto  da  bandidagem.
    Há quem pense  sejam os programas  que  desmascaram  a crua violência brasileira  sensacionalistas, da   imprensa marrom, que só mostram  violência pura  a fim de  dar  altos índices  de audiência. Não vejo assim e adianto mais que a recusa de pessoas e, sobretudo, das autoridades competentes -  legisladores,  a  própria  presidente da República, a  pessoa do ministro da  justiça, enfim todos os  setores públicos  responsáveis    pela segurança nacional -,  a assistirem  a esses programas  me parece  algo elitista e perigosamente  omissa.
   Assim também a recusa de todas as classes sociais com respeito ao problema da violência só contribui  para   agravar essa questão e afundar-se  na alienação e na indiferença a um tema que diz respeito a todos nós.
   Dois são os caminhos,  a meu ver, para  enfrentar  a violência  sedenta de vítimas  diárias no país: 1) acabar ou  reduzir  a impunidade,  o que vai  mexer com  a legislação penal; 2) reduzir por tempo determinado  a maioridade  penal para, no mínimo, dezesseis  anos. Isto faria com que os “de menor” muitas vezes  rapazes  com altura  de  homens feitos, com várias passagens  na  polícia por  delitos de toda a sorte e de todos os níveis, até mesmo  crimes hediondos. Neste caso, implantar-se-ia, por tempo determinado,  a pena  de prisão perpétua e a pena de morte  para os casos mais  diabólicos de  crueldade, ou seja,   o grupo de bestas-feras.Todavia, os psicopatas  seriam   destinados a prisões  psiquiátricas.  Para esses  casos, sob hipótese alguma,   não haveria  brechas legais  para que  se lhes  abreviassem  a pena a ser cumprida.
   Sei o quanto  são controvertidas e complexas as questões  da redução da maioridade penal, que  implica  uma série  de  componentes sociais,  econômicos e culturais, da mesma sorte que  são altamente  polêmicos  o regime de  prisão  perpétua e a sentença   mais extrema, que é a pena de morte, sendo que esta última envolve, além de outros fatores relevantes,  a questão religiosa  no país  mais católico do mundo. Ma o país é laico.
    Penso que todas as considerações  aqui  levemente  abordadas   têm que ser levadas  em conta de forma urgente, porquanto  a próxima vítima  de criminosos  inveterados   pode ser   qualquer um de nós. Pode ocorrer  com  nossos  filhos,  netos,  parentes, amigos,  com qualquer  classe  social. Fica,  pois, o debate em aberto e que não  seja postergado  por muito tempo. A vida não tem preço, como se diz vulgarmente.

domingo, 24 de janeiro de 2016

Tenham pena da Síria!




                                        Cunha  e Silva Filho


       Venho de tempos em tempos  publicando artigos sobre a Síria, em particular  focalizando o drama apocalíptico desse país. Sendo assim,   tenho  assinalado   as peripécias  e os percalços de um povo sofrido sob  as ordens  truculentas do ditador  Bashar al-Assad. A guerra civil que se instalou na região tem multiplicado os milhares de mortos, e por  falar  em vítimas, estas têm  como  alvos  indiretos os civis.  Vendo-se pela TV as imagens das batalhas  sangrentas,   não mais sentimos que o país possa ser   classificado  como tal,  pois não é mais uma nação na sua  estrutura  geográfica, arquitetônica e sim  destroços de  construções,  monumentos e mortos por balas assassinas. 
     No início,  as tropas  governamentais  enfrentavam a oposição   contra  a ditadura  de Assad que,  ao que tudo  indica,  não quer sair do poder  discricionário, cruel  e sanguinário.  Os ditadores  são assim mesmo,   não querem nunca arredar  do  poder, do domínio da força  bruta contra  os sírios  que    desejam  a sua  saída  e  possivelmente tomar o poder  com novas perspectivas  de melhoria social  e  organização   político-institucional.
     Ora,  é isso  que faz  com que  os  chamados  rebeldes resistam  a esse genocídio, é isso  que torna os campos de guerra mais  renhidos de parte a  parte. Para   piorar ainda  mais  o estado beligerante entre irmãos da  pátria comum,  a Síria  é ainda  invadida  pelo  Estado  Islâmico e por outras facções externas  que se aproveitaram  para  conquistar   frações do território  sírio.
     O ditador,  todavia,  não dá o mínimo sinal de   entrar  em acordo com  os rebeldes e o resultado  disso  foi  o êxodo de sírios de todas as idades,  condições sociais e culturais  em direção  a outros países, dando início às ondas de  refugiados  em direção  à Europa,  sobretudo  Alemanha. Essa fuga da Síria   é um dos acontecimentos mais  tristes e dolorosos  de que já se tem notícias após a Segunda  Guerra Mundial. No momento  em que  os sírios   são obrigados  a deixar tudo   que tinham  conseguido   no seu país,  outros  povos,   de origem africana,  juntaram-se   para  engrossar o contingente    de refugiados    buscando  emigrar para  a Europa e  outras partes do  mundo,  inclusive o Brasil.
       Esse refugiados  enfrentam  os perigos do mar, sofrem  perdas  de  refugiados  que morrem afogados  em  embarcações frágeis com destino  a nações que estejam   dispostas a dar-lhes  a esperança   de uma vida nova,  ainda que com os  problemas  de  se  adaptarem  a novos   costumes,  línguas  e  de  dificuldades   de  conseguirem  um emprego, em geral,  subemprego,  virarem  ambulantes  ou dependerem  de doações provenientes  de órgãos  internacionais ou do  próprio  país em que   se instalaram.
     Ante todo esse drama  feito de sofrimentos e perdas de vidas,   os  refugiados sírios e de outras nacionalidades  ainda  enfrentam  por vezes  a má vontade  ou  a proibição  de países  que não  permitem   a entrada desse enorme  contingente  de desenraizados.
     Não vejo  com  bons olhos nenhuma ação  enérgica dos países  mais adiantados  no sentido  de  acionarem  a ONU e seu Conselho de Segurança  a  fim de estancarem   as verdadeiras  causas  dessas atribulações  dos sírios.
   Não serão  os  combates  de forças de coalização  europeia e norte-americana  que deslocam  seus drones  ou mesmo  aviões  tripulados  contra alvos   do grupo  terrorista  EI e de outras facções  terroristas  que irão   desmantelar  os  inimigos na Síria. Ao invés de armas,  por que não   negociam  logo a saída  de Assad? Será porque temem a reação da Rússia, que lhe dá apoio bélico, e  do Irã, que lhe concede apoio financeiro,  país   Neste caso,  por que os  EUA não  negociam  o imbróglio diretamente com  a Rússia e o Irã?  O que não pode   continuar  é  permitir-se  que  a Síria seja destruída totalmente  a ponto de o próprio  ditador  se ver acuado e  ter que deixar  o poder  vazio, mas, em tal situação,   a  nação  síria não servirá  para ninguém. Tornar-se-á uma terra inteiramente  deserta.
       Numa guerra civil  que  vem desde 2011, a Síria se defronta  com  uma multiplicidade  de   problemas,   um país que  possui  uma  parte da sociedade com  alto padrão de vida,  enquanto outra parte da pirâmide social  chega a   índices  de   pobreza  extrema.
       A meu ver,  a Síria só  alcançará  a paz desejável quando  os países  mais desenvolvidos  se debruçaram sobre  dois grandes componentes    desencadeadores   da guerra civil síria: a mudança  da forma  de sistema de governo, uma  já longa república de fachada com poderes enfeixados nas mãos  de Assad para uma    democracia autêntica, na  qual   os direitos humanos  e todas as liberdades  do  indivíduo forem  postas em vigor  por  uma  nova  Constituição determinando   a alternância  do poder e não como  por  longo tempo  tem sido feito  sob o tacão  e truculência de  um  ditador.
      O outro componente da guerra civil seria de natureza  econômica,  a riqueza do seu  potencial  petrolífero, principalmente   em face da   propalada   notícia de que, no Mar Mediterrâneo, há imensa  reserva de petróleo.
    Um país com  múltiplos  grupos  éticos,  religiosos,  políticos, vivendo sob o regime autoritário em que Assad dispõe de todo o arcabouço  político-institucional não é fácil de  ser desbancado  do poder. É mister que  organismos  mundiais de defesa  das democracias  negociem  com  o ditador até à exaustão,  e só apelarem  para  reações mais drásticas  quando  tudo mesmo  for esgotado em termos  de  discussões sobre o destino  dessa  devastada nação. O que não pode  suceder é que a Síria  continue sendo  mais e mais  destruída sem que  países  de grande  influência político-econômico-bélica   cheguem a uma   solução pacífica  pondo termo a uma carnificina sem precedentes na história  de uma  país. 
      O mundo não suporta mais  assistir a mortes de criancinhas  em  praias de outra nação ou no percurso  por água a caminho  de uma acalentada felicidade.
     Não queremos   tampouco  presenciar  pela TV  o olhar amargurado de uma  criança síria  expondo o corpinho  esquálido, mostrando  as costelas sob a pele sofrida  como  sinal  inconteste de que, no próprio país dela,   serezinhos assim  morram de  fome e de desesperança por culpa dos homens sem  coração mas ávidos  pelo  poder a todo custo.Tenham  piedade da Síria!

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

MAIS UMA VEZ A AMIZADE PARTIDA




                           Cunha e Silva Filho


           Volto à questão  transcendente da amizade no mundo de hoje. A minha discussão parte do seguinte princípio: o mundo atual, que já foi  atual  para outras gerações,  para outros  tempos históricos, é o dos isolamentos,   dos afastamentos  explícitos ou silenciosos,  sem uma razão  plausível. De repente, não mais que de repente,  como diria o  poetinha, uma pessoa, que julgávamos  ser nossa  amiga, sai de nosso convívio.
               Por convívio, significo  a troca  de notícias,  de uma linha que seja,  de um telefonema que seja,  de um e-mail que seja, de  alguém que   sai de nossa vista  ou vida  e não sabemos por que agiu assim. Sai  para outro lado qualquer. Sai para não mais se  congregar, ainda que virtualmente conosco, sai  pelo mero ato espontâneo de sair. Sai porque  saiu, sem explicação,  sem nada. Deixou apenas o silêncio que é uma forma de  separação,  de adeus,  de despedida  em vida, que é a pior e mais dolorosa, visto que deixa o sabor acre  do abandono, da indiferença, do descarte.
          Me pergunto: Por que o afastamento,  a falta de noticia,  o silêncio  voluntarioso? Será que a amizade tem validade? Eis uma  pergunta que  daria  espaço e duração  a discutir algum dia. Por vezes, sou forçado a afirmar que sim,   tem data  de validade. Os sinais são  já conhecido:  falta  de tempo,  falta  de saúde,  falta disso , falta daquilo e, se formos ver  o outro lado da história,  não  é nada disso,  É  ato voluntário,  ou motivado  por alguma razão  que desconhecemos, por um deslize nosso que cometemos ou  porque quis se livrar de nós por não  acharem  mais razão de prolongar  a convivência de perto, de longe,  de distâncias continentais, de tudo.  
          Acredito seja esse comportamento social uma característica da pós-modernidade que pauta seus  compromissos  pela imediatismo,  pela pressa,  pela falta de  dar uma paradinha e conversar com  alguém conhecido. Julgo que o espírito gregário  não mais se manifesta  como  outrora. Tudo se  modificou,  tudo  se esfumou, até as relações  interpessoais,  hoje mais  feitas  da virtualidades por força  da pressa e do frenesi  dos tempos que correm não sei  para onde.
            Ao percebermos que o outro lado  se  esquivou  da continuidade  do   relacionamento,  somos tentados a fazer  o mesmo, contaminados  pelo  mesmo   vírus  dos descartes  das pessoas  entre si.  Não vivemos mais  para os outros naquele sentido  antigo  que está completamente sepultado  da sociabilidade  hodierna.
                Não nego que em parte tenho culpa disso, mas os outros também têm o seu quinhão  de   culpa. Por procuraram apenas a vitória de si mesmos  é que talvez elas sejam  forçadas  a se  distanciarem de vez ou  pouco a pouco, até que não  sobra nada dos laços  passados. Sinal dos tempos! Talvez, mas que me deixa  perplexo,  descontente,   decepcionado.
             Ora,  essa  situação de isolamento  voluntário  ou  movido  por um ou outro motivo   parece prevalecer  agora. Foi pensando  nisso que  resolvi  dar uma   olhadela em torno do meu mundo afetivo do prisma  da amizade. Logo me convenci de  que  cada vez mais me senti com menos  amigos,  menos conhecidos,  e o que poderia chamar de “amigo” às vezes me dá a impressão de que não passa de uma  formalidade, de uma gentileza,  de um gesto automático.
            Será que  toda essa  separação   do espírito da amizade  vai perdendo força  com a chegada  da velhice ou é porque a verdadeira amizade não se forjou  com  toda a força  de suas prerrogativas de antanho?
       Vivemos os tempos  das superficialidades, até na  formação educativa e intelectual. A juventude sabe menos  do que há décadas no que concerne aos estudos  em profundidade. As humanidades estão rareando. Um conhecido  há dias me fez um comentário: “Meus alunos estão menos preparados, têm menos leitura, têm menos conhecimentos. Os cursos estão mais fracos,  mais flexíveis  e resistentes às exigências  profundas.  
          Muitas vezes  andando  pela cidade ou mesmo  pelo meu bairro  sempre muito  cheio de gente indo e vindo,  vejo  que  a única coisa que nos  torna filhos da mesma  pátria é a língua, mas não os indivíduos. Em toda os cantos do mundo,  as pessoas vão e vêm nas ruas. Somos iguais  nesse sentido  de movimentação, mas não somos  unidos.
         Todos  temos nossa  própria  vida e o desconhecido  na rua  talvez nunca mais  o veremos. O sentimento de pátria  não é mais o mesmo. Somos todos  ilhas  pessoais  diante dos outros  que não nos veem mais, que passam  céleres em sua  tremenda  individualidade, na solidão das ruas  das grandes urbes.  
       O que me faz  refletir: a pátria  é uma abstração. Só  sentimos que  existe  quando  há o encontro  casual  de duas pessoas. Por isso,  o motivo de tanta carência  de comunicação  num mundo  em que a comunicação, por contradição,   passa a ser prioridade  entre os habitantes da Terra.  
    No entanto,  como somos sozinhos,  jogados  na multidão, na anomia dos isolados, dos esquecidos,  só nos restando adaptarmos, contra a nossa vontade,  a  esse comportamento coletivo  individualizado (com o perdão  do oximoro). 
      Esse não é o mundo que  gostaria de ter, ou seja,  o mundo das  divisões,  das desigualdades,  dos confrontos entre irmãos, entre “amigos,”  entre países,  entre partidos,   entre ideologias,  entre religiões em guerra  declarada  ou  silenciosa. Mundo amorfo,  sem graças por lhe escassear  o calor  humano  há tanto tempo  sepultado em nossas dita  civilização contemporânea.
      Ora,  direi sem rebuços,  com tanta  ausência de humanidade,  de amizade  fraterna  não é de se   estranhar  que  as interações  pessoais sejam  duradouras. Tempo de validade   é a medida de nosso sentimento  de amizade. Tenho, agora, que conviver cm isso, de assimilar  o que  detesto, de  conviver   na hipocrisia   da sociedade  sem rumo, a caminho de não sei o quê, mas desejando  viver intensamente  o hic et nunc (Tristão de Athayde) como   o pensamento da infância. O presente é o primado  do  existir,  do estar vivo. Só isso importa,  tem peso entre os contemporâneos. O passado? O futuro?    Ninguém quer dele saber. Já basta o carpe diem. O futuro fica para depois. Só a Deus pertence.
    Em meio ao primado do presente,  tão característico  de nossos  dias, o sentimento da amizade tenderá  a sofrer  inflexão, a piorar,  a enfraquecer ou  apagar os últimos  resquícios  dos laços de amizade, que se esgarçaram  por outros  motivos  inconfessáveis,    perdidas que  estão as pessoas  envoltas na sua auto-centralidade individualista, na luta  pela vida, pelo sucesso, pelas luzes da ribalta, pelos holofotes,  pela  pressa  de um  alcance além das estrelas, dos astros em geral  no  espaço, segundo os cientistas,   crescente  do Universo.A amizade? Ora bolas,  acabou na  data de  validade.



sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Um hobby na vida de adulto




                                       Cunha e Silva Filho:


Mais de um vez  já  falei que tenho um hobby. Não o de  cuidar de um cãozinho  ou um gatinho  travessos, nem  de cuidar  de  jardim, de plantas, embora admire quem  faça isso, nem de colecionar  gibis da minha infância ou adolescência, nem de colecionar discos  de vinil, nem nada disso.
O meu hobby tem outro  objetivo, talvez até menos  valioso do ponto de vista  humano do que outros passatempos. O meu hobby é de outra natureza,  o de recuperar   livros meus da adolescência, já que da infância praticamente está tudo apagado da minha  memória, o que corrobora a atualidade,  em grande parte, dessa  saudável  e ainda  oportuna  obra, Idade,  sexo e tempo (1938), do pensador católico  Alceu Amoroso Lima( 1893-1983) o Tristão de Athayde, pseudônimo desse  gigante da crítica do Modernismo  brasileiro,   escritor de  uma obra imensa e   inestimável em vários campos  da inteligência: história literária,  crítica literária,  economia, sociologia,  direito, psicologia,   filosofia, religião, política,  teoria literária. Diz Tristão de Athayde reportando-se à infância: [...] “A infância é a idade sem memória, em que as impressões são tanto mais violentas quanto mais efêmeras” (op, cit., p. 52-53).
Daí que dos livros meus da infância bem tenra, diria dos cinco aos oito anos, aproximadamente,  já não consigo  lembrar  seus títulos. Daí também, por razões de aproximação da fase de vida seguinte,  a adolescência,  o motivo de tentar  recuperá-los no presente.
Sou um pouco avesso aos exageros estatísticos. Por isso mesmo, não sei ao todo quantos  livros foram, até agora,  recuperados. Uma  parte significativa  consegui encontrar no sebo virtual, o melhor meio agora de  conseguir alguns desses milagres graças à Internet, em edições diferentes ou até mais antigas. O importante foi que  vieram   compor o acervo  da minha biblioteca–hobby, que fica à parte dos livros mais  novos ou novíssimos.
Tem um desse  livro ainda não encontrados que perdi numa confusão que houve num ônibus que tomei em frente do Palácio do Itamaraty.. Houve uma briga entre passageiros e, com receio  que sobrasse  alguma coisa para mim,  desci do veículo com uma sacola de livros que virou no chão. Apanhei rapidamente alguns.  Coloquei-os de volta na sacola. Dois ou três  possivelmente,  não vi. Era noite.  Ao chegar em casa no Flamengo, onde morei por pouco tempo, verifiquei que  um  deles era um livrinho de título Expressões idiomáticas da língua inglesa, da Melhoramentos. Livrinho  útil,  de um excelente autor didático de inglês e francês, o Neif Antonio Alem. Há anos venho tentando  achá-lo nos sebos  do Rio e nos sebos virtuais. Debalde o encontrei até hoje. Quem  souber de algum  exemplar dele que me queira  vender  ou  doar,  aqui estou  disposto  a recebê-lo de braços  abertos.
Outros livros  estou  procurando  encontrar:  a segundas e a terceira séries da La  gammaire par la langue, de J. de Matos Ibiapina, autor didático  famoso, entre outros, nos anos 1920, 1930 e 1940, para os estudos do francês e do inglês. Estou  procurando   três livros, um  de francês para o antigo ginásio de um autor ou autora   franceses; outro de um autor inglês  para   o curso colegial (científico, clássico) que oferece mais dificuldade de encontrar porque não sei me recordo do título e do autor ou autores. Só se por acaso vir o título,poderia  identificá-lo;  outro também de um autor  francês para o curso colegial (científico ou clássico), nas mesmas condições de dificuldades do título e do autor ou autores.
Sei que o grosso  que procurava  já  consegui graças à Internet. Contudo,  não me dou por satisfeito. Quero localizar outros ou completar  volumes    em série. Está difícil  mas não  desistirei.  Ele fazem parte  do meu espólio  rememorativo. Alguém me pode perguntar: “Você vai relê-los?” Alguns,  talvez, sim, outros  vou  terminar de  ler,  pois os professores nunca  chegavam a  dar todas as  lições dos livros. Quantas vezes,  eu mesmo as completei  por  minha conta.
Agora, me lembro de um livro didático  de inglês,  que   ainda tenho comigo do tempo  da Rua  Arlindo Nogueira, em Teresina. É um velho exemplar que me foi  presenteado  por um quitandeiro, de nome Ditinho,  moço bom e amigo que o tinha nos seus guardados. Não sei se ele tinha sido  aluno de escola marista ou se o exemplar  lhe fora dado  por algum amigo. A sua quitanda era  perto de minha casa, do lado da Rua São Pedro.
É uma obra  da  excelente antiga coleção de inglês da F.T.D. Já,em décadas  passadas,  livros dessa coleção continham a chave de exercícios propostos, mas só para uso dos mestres. Caso caíssem nas mãos  de um estudante  sério e aplicado,  muito ajudariam  um estudante  independente como eu.  Por muito tempo, o uso de  livros com a chave  dos exercícios era criticado   por alguns  professores e educadores. Felizmente, esse não é o pensamento  atual da pedagogia. 
Agora os livros com chaves das soluções  dos exercícios  voltaram  a fazer parte  do volume, conforme vemos em editoras  de livros  para o ensino de línguas, como a Disal  e outras. Além desse instrumento  pedagógico, obras  dessa natureza  são também acompanhadas do   inestimável  auxílio de  CDs, reproduzindo,   com   a voz de falantes nativos,  os diálogos ou textos   desses livros. Até gramáticas e dicionários vêm  acompanhadas  de CDs. É uma revolução notável  na expansão do ensino  de línguas  pelo mundo.
 A Torre de Babel  está, aos poucos,  perdendo  sua condição de  sinônimo de confusão  entre  pessoas  falando  diferentes línguas.  O meu velho  exemplar daquele livro da F.T.D  está com páginas  faltando. É, pois, um livro mutilado. Vou envidar esforços  a fim de  encontrá-lo. É  questão  de tempo e de paciência. 
Outras obras que estou  no encalço de  recuperar, delas algumas  são de referência. São grandes dicionários de latim,  francês  e inglês. Que pena que as deixei em Teresina! Penso que foram   extraviadas  por negligência de minha família, conforme relato em detalhes na obra de memórias, que  lançarei  brevemente, Apenas Memórias. Não foi por culpa minha: eram de meu pai e eu não  podia  trazer para o Rio  visto que  eram  volumosas,  pesadas,  mas o valor,  imenso, é de dar inveja aos bookworms e bibliófílos.  Obras de Valdez, por exemplo, em edições portuguesas.

Outras obras, enfim,  que trouxe  já estão tão velhas que urge  tentar  encontrá-las em  edição  mais  recente ou mesmo antiga,  não importa,  contanto que estejam  inteiraças. Sou persistente  no que faço. Um dia,  direi a mim mesmo: encontrei tudo o que queria,  O hobby cumpriu  sua missão. Agora,  é cuidar  com amor de pai para que elas  não se extraviem,  não envelheçam  tanto e não saiam  da minha vida. Me lembro, agora,  de um enunciado  de Camilo Castelo Branco (1825-1890) que há pouco  postei na página do Facebook: só me vou  utilizar de apenas uma frase do enunciado, a primeira, do  notável romancista  português “Um livro aberto é um cérebro que fala.”

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A RAZÃO DE CADA UM




                             Cunha e Silva Filho


       Estive lendo uma entrevista  com um   cientista  político e professor  brasileiro,  estudioso  e pesquisador da realidade cultural e social   brasileira. Seu nome,  Jessé Souza. A entrevista  foi feita pelo jornalista Marcelo Coelho, da Folha de São Pulo( Ilustríssima, domingo, 10/01/2016).
       Tocando em  pontos cruciais da formação  cultural e social  do Brasil,  com perguntas    bem  formuladas e  provocativas do entrevistador,  em linhas gerais  o cientista  político  a propósito de um livro dele recém-publicado, A tolice da inteligência Brasileira (Editora Leya, 272 p.),  propõe suas ideias na contramão de autores brasileiros (só abrindo exceção para Florestan Fernandes, 1920-1995) que  já se debruçaram  sobre  temas semelhantes, como  Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) Raymundo Faoro (1925-2003),  Roberto DaMatta entre outros que cita de passagem. Ele poderia, ao menos,  ter mencionado, Gilberto Freyre ( 1900-1987)
     As minhas considerações  exaradas neste artigo  são preliminares e não são abrangentes,  trazendo à tona  apenas alguns   pontos da entrevista   porque  não li  o livro do professor  Jessé de Souza. Apenas me  fundamento  nas suas  respostas   fornecidas  na entrevista.
  O eixo de sua argumentação, que, de resto, traz originais contribuições ao debate  das questões  ventiladas, é que  o Brasil  tem sido  estudado  apenas sob  óticas   nas quais  não se  toca no  cerne da questão de nosso atraso  e  dependência cultural: a crônica exclusão de nossa  população marginalizada. Argumenta  Jessé de Souza que estamos  até ao pescoço  subordinados  a culturas de países  desenvolvidos,  com muita ênfase para os Estados Unidos.       Em outras palavras,  ele torna evidente  o nosso  excesso de admiração  pelos paraísos culturais   das grandes nações. Sofremos de complexos  de inferioridade,  de ‘complexo de vira-lata,’ designação que  criticamente  remete ao pensamento  do historiador  e grande  erudito Sérgio Buarque de Holanda, autor de livros  fundamentais, como Raízes do Brasil (1936)   Visão do paraíso (1959) entre outros títulos de grande relevo, inclusive na crítica literária.
  Tal  postura acadêmica de Jessé de Souza  vai na direção  contrária do ufanismo  brasileiro  apregoado  pelo conde  de  Afonso Celso (1860-1938) no  já velhusco livro Por que me ufano de meu país, um exemplar   do qual havia na biblioteca de meu pai. Por sinal, ao  me recordar   desse ufanismo, não posso deixar de registrar um fato: a média do brasileiro não é tão assim  cabisbaixa no tocante ao país, sobretudo  no que concerne às  belezas  do Brasil,  às riquezas minerais, à fauna  e flora,   à grandeza de nossa hidrografia, à grande extensão territorial,  à ausência  aqui de  terremotos, de vulcões  e de outros   acts of God  destruidores  em grande escala.
   O nosso  alegado  complexo de vira-lata,  por confronto, pode também   ser  analisado  do ponto de vista  dessa concepção  ufanista   que ainda  depreendemos  na admiração  do brasileiro  por seu país,  excetuado o tempo   presente, que é de  maior   indignação  pelas  políticos  e governantes nossos e por outros males  que  infestam  a nossa terra. Uma outra obra,  O pais do futuro, de Stefan Zweig,  de algum modo contribuiu  para  o sentimento  de esperança  que  o brasileiro  tem  (ou tinha) pelo  país.
 Ao abordar o conceito teórico de Max Weber de “patrimonialismo,” aliás, mal  aplicado por alguns de  nossos  estudiosos, segundo  Souza,  o cientista  político discorda  de que nos Estados Unidos não exista tal  uso  pelo  Estado americano.  Em outros termos, é por essa razão que   o cientista  aí desfere a sua crítica  aos "liberais brasileiros,” os quais, “candidamente” (Será mesmo que os nossos liberais são  tão ingênuos assim?) supõem que os EUA  sejam  um “paraíso.”Creio que não. A esperteza  faz parte do patrimônio  individual ou grupal nacional. Ora,  tanto nos EUA quanto no  Brasil  a interferência  do privado no público  são realidades comuns.Quer dizer,  o pessoal da “grana”  é muito poderoso a ponto de  sempre  existir  um  acordo entre o  Estado e  o setor da alta economia, dos big shots.
  Jessé de Souza propõe a seguinte tese: a de que o patrimonialismo, no   Brasil,  atende a duas práticas: a)  demoniza o Estado por sua ineficiência e a sua dimensão  corrupta, a “mercantilização,” via privatização,   de  todos os setores (educação,  saúde etc); b) funciona como ‘senha’ a fim de  privilegiar  o que  ele chama de 1% dos que detêm  o “dinheiro,”  os políticos (financiados pelo setor privado) e o poderosa  influência da mídia. Para o cientista  político  os veículos que “mandam no Estado”  “sem voto,”  quer  dizer,  direcionam  a galera eleitoral (os “tolos” da classe média tanto quanto do povão)  para  certos  partidos e candidatos. Em suma,   essas forças é que, segundo o cientista,   determinam  a sorte dos governos  e dos políticos. com  o suporte  indefectível da  “grossa corrupção.”
     Dá-me a entender que  reiterando a corrupção histórica no país de alguma  forma relativiza  ou suaviza certos governantes citados: Getúlio Vargas,  Jango, Lula e Dilma, nos quais reconhece algum avanço de melhoria  da população   carente brasileira. Por outro lado,  acentua que a “senha’  do  patrimonialismo  tem   “sido acionada com sucesso” naqueles  governos.   Conclui, então,  por uma crítica à sociedade de classe média,  a quem  chama de tola, ele inclusive, que, como  professor universitário,  se inclui nessa classe, a menos que seja   rico por laços familiares..
   Sintetizando  os amplos desdobramentos     de Jessé  de Souza, penso que  a sua grande crítica à sociedade brasileira,  visando  sobretudo  à classe média,  repito,  se dirige a certos comportamentos  dela com relação  a posições políticas e a  movimentos  reivindicatórios que, para o cientista  político,   redundam em  prejuízos para  essa “tola”classe média. Por exemplo,   quando   ataca o Estado  Brasileiro, os políticos,   não  percebem que  um outro segmento da sociedade,  o que detém o 1% da lucratividade da Nação, é que  poderia ser  alvo  duríssimo de suas   indignações, não só os governos. 
  Entretanto,  é nessa posição do  cientista  político que vejo algumas  lacunas  dignas  de reflexão. A “tola’ classe média não é tão míope assim. Ela tem  consciência  do entrelaçamento  e conluio dos governos com o poder econômico. Embora   estime essa classe certas  fatuidades,  espírito  de hedonismo,  consumismo,   produtos  de certo  valor, vida individual  mais   circunscrita   aos familiares e outros atrativos  que constituem as delícias  de suas vida: o turismo  internacional,   os saborosos almoços nos fins de semana,  as conversas  fúteis  sobre  tantos  temas  subalternos e inócuos,  um certa  ingenuidade  pretensamente  religiosa, conselheira coletiva atávica, desde quando  aportou  Pedro  Álvares Cabral  com a primeira missa no  Brasil. 
      A minha compreensão geral da entrevista  me leva a tecer  essas ponderações finais. Para o cientista  político,  o grande mal  da sociedade brasileira está nos privilégios intransferíveis a qualquer custo de um minoria  endinheirada  que domina  todos  os outros  setores da vida social e cultural  brasileira.  Domina pelos lucros  auferidos  pela altos preços de nossos produtos,   domina  pelas decisões  tomadas  via conluio com o Estado, domina  pelo concurso  e apoio da mídia,  domina  pela  manipulação  dos eleitores, sobretudo tendo em vista a classe média,  cuja luta, segundo ele, se volta contra ela mesma, de vez que essa classe não vai  questionar   maduramente  o grande capital e os produtos  do consumismo   tão  aderentes ao gosto da classe, ou melhor de todas as classes, até da ralé, que procura “imitar,”  via critérios  “kitsch,”  os modos dos   “bacanas,”  do  ricos e famosos, claro,  dentro de suas  limitações e arranjos.
    Não vejo   com  tanta  originalidade  alguns  aspectos  ventilados  pelo cientista  político  que,  em certos  pontos,  me parece  um tanto  inclinado  a um petismo      fase inicial  de organização e  programas   com vistas  a transformações alvissareiras para os segmentos desfavorecidos  da nossa  sociedade.Por exemplo, a discussão  do” racismo  cultural,” do “racismo racial,”   do que ele insinua  ao falar  de uma  determinação  do governo Dilma para  peitar  os manda-chuva  da minoria   privilegiada  do país. Com  o que se sabe das posições  e atitudes da presidente Dilma não há como  confiar que  ela  tenha tido   a vontade  política  de  inverter   toda essa pirâmide social. 
   Os percalços  de natureza espúria  do governo do lulismo-dilmismo   não  são contemplados pelo cientista de forma  imparcial  e  explícita, porque no cientista em questão  os vieses  de uma “esquerda” disfarçada  são notórios. Não só de teorias weberianas “bem  aplicadas”  por ele   como embasamento de suas argutas  argumentações  vive  a realidade brasileira sentida por todos aqueles que, convivendo,   no dia-a-dia  dessa Nação,   têm  tanto a ensinar  também  aos teóricos   que foram lá fora  estudar  ciências políticas para, depois,  antropofagicamente,  assimilar a sociedade brasileira e seus  fundamentos  históricos.  É preciso ir ao exterior para  pensar o país  com melhores lentes? Tenho minhas dúvidas.Por isso mesmo,  vou ler o livro.
   
      
   
     

        

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Tradução de um poema de Victor Hugo ( 1802-1885)




Aux enfants  des campagnes

Enfants, aimez les champs, les vallons, les fontaines,
Le chemins que le soir emplit de voix lointaines,
Les cent fleurs du buisson, de l’arbre, du roseau,
Qui rendent en  parfums ses chansons à l’oiseau.
Prenez vous para la main et marchez dans les herbes;
Regardez ceux que vont liant les blondes gerbes,
Unis contre  le mal où 1âme se corrompt,
Lisez au même livre en vous touchant du front.
La vie, avec le choc des passions contraires,
Vous attend; soyez bons, soyez vrais, soyez frères.

Às crianças dos campos

Amai, crianças,  os campos, os pequenos vales, as fontes,
Os caminhos que a  tarde, com  distantes  vozes, envolve
As cem flores da moita, da árvore, do caniço.
De mãos dadas, caminhai  por sobre as ervas,
Que transmudam em perfumes  as canções dos  pássaros.
Olhai para aquelas  que os louros  feixes juntando vão.
Unidas contra o mal que corrompe  a alma.
O mesmo livro  lede em vossas mãos  segurando-o
Com o choque das paixões contrárias,
Vos  espera a vida. Sede bons, verdadeiros,  irmãos.


                              (Trad. de Cunha e Silva filho)










terça-feira, 5 de janeiro de 2016

2016: o ano que se inicia




                                                   Cunha e Silva Filho


       Já foi tarde 2015. Agora,  é pensar no que vem e, como não sou tão otimista nem tão pessimista, quero vislumbra um ano novo melhor, pelo menos nos meus desejos  explícitos,  ou seja,  que  o pais saia do atoleiro  político-financeiro  em que se encontra. O melhor   é pensar  positivamente para não atemorizar o espírito dos brasileiros   que não anda nada bem com  tantas desgraças acontecidas no ano  passado. Não vou repeti-las porque, na realidade,  elas não  deixaram de ocorrer. Não é uma página virada do calendário  que vai  nos tirar do  desassossego.
    Se há recesso no Congresso,  não há recesso  nas novas  determinações  do governo federal de  aumentar  os impostos,   as contas de água, luz, esgoto,  IPTU, gasolina,  passagens de ônibus,  trens, metrôs, barcas e o escambau. Até me parece que a entrada do ano  só tem um motivo  maior: o aumento das tarifas como se o  povo  humilde ainda pudesse aguentar  os impostos e os juros mais altos do mundo,  com o salário  minguado e por vezes sem  nenhum reajuste, como no caso do governo federal, cujos barnabés há tempos não veem um sinal  de aumento de salários. 
     Entretanto,  para o Executivo,  o  legislativo e o Judiciário e outros  órgãos públicos os aumentos  obedeceram    à norma de sempre: foram reajustados regiamente, inclusive porque são eles mesmos que se concedem  os gordos aumentos e outros  colaterais que vêm  encher mais ainda os bolsos já cheios  do acumulados  em anos  anteriores.  Oh, como é bom ser deputado ou  membro do Judiciário, ou  presidente da República!  Por si só, isso  já configura  uma elite  de profiteurs do oficialismo   brasileiro. E o povo? Que povo?!  Que estes vão  arranjar um outro  meio de complementar a renda  familiar  desmilinguida, achatada, com   bicos  ou assemelhados. Se não puderem suportar o tranco,  diria como o crítico literário  Álvaro Lins (1912-1970): “... suje-se gordo.”
    Venho meditando há tempos sobre a rede social Facebook. Descontando  algumas   frivolidades  que apresenta,  a meu ver,  o Face como é  mais conhecido dos seus  usuários, se tornou  a maior   forma de   pessoas comuns ou menos comuns  expressarem suas ideias  a respeito do que  se passa no país se no mundo.
   Já escrevi que ele virou um autêntico  fórum de  debates e de trocas de  ideias e informações jamais vistas na a comunicação  brasileira.a não me  importava muito com o Face, mas,  à medida que começava  a usá-lo, fui constatando que ele tem muita  utilidade social, política,  histórica e cultural. Ninguém pode negar-lhe essas  vantagens.Ninguém, que eu saiba,  se abalançou a fazer um estudo  sobre a importância dessa rede.O seu alcance  é de largo espectro, vai além fronteiras. Nele se veem  mensagens em  algumas línguas, notadamente,  inglês,  espanhol, italiano e espanhol.Até tradutor  eletrônico tem,  se bem que ainda deixam muito a desejar.
   Se é fato  que alguns usuários cometem  erros de português,  isso não invalida a mensagem, pois há mensagens corretíssimas que não têm  o conteúdo e  a profundidade de outra escrita com alguns  senões  de gramática.
   Mais importa é a opinião  sincera e o  nível de  consciência  de cada usuário. Por  isso,  vejo o Face como uma espécie de ágora virtual, na qual  cada um tem a sua  independência, sua visão, ainda que não seja a nossa. E esse multifário  conjunto  de opiniões presta um serviço  enorme ao desenvolvimento  da escrita  ao correr do  teclado, i.e., a escrita  das mensagens mais longas,  médias ou apenas de uma pequena  a frase,  sinaliza  pontos de vista  que só  vão  agregar  in formações ou  novos ângulos  sobre determinadas questões vividas pelo  brasileiro  ou  questões que afetam  o mundo  inteiro. É incontestável  a dimensão social  do Face.
   Cada página de um usuário  termina por  formar uma espécie de diário  ou de correspondência  entre  pessoas que se tornaram amigas e querem continuar  sendo amigas. Só vejo um perigo no uso exclusivo do Face:   o meu medo que   as relações  entre amigos deixem para segundo plano, no tocante  ao estreitamento em profundidade,   aquelas   travadas pessoalmente. 
    Se se mantiverem apenas ao nível do espaço virtual, tenderão  a perder sustentação  e até mesmo  se perderem em virtude da monotonia de falar somente à distância, sem o olho no olho,  o aperto da mão,  o braço  físico, o volume da voz, a gestualidade, a linguagem viva – que é um meio  dos mais eficazes no diálogo entre  amigos. Sei, ademais, o quanto é difícil hoje em dia marcar-se um encontro com  um grupo de amigos que estejam disponíveis em dia e hora certos. Todavia,   todo esforço  deve ser feito no sentido de que ao Face, grande veículo  social e virtual, seja  adicionado esse tempero  indispensável ao encontro presencial  de amigos.
   Se nosso governantes auscultassem  o que  afirmam as mensagens  postadas no Face e em outras redes sociais,  eles teriam farto material   crítico  muito proveitoso  para reverem suas posições,  seus modos de  lidar com a sociedade e verificar em que medida  são aceitos  ou repudiados.Governantes que não ouvem  as reclamações da população e  se encarapitam nas torres de marfim  - o resultado  temos visto  tantas vezes -, tenderão a perder  credibilidade,   a honradez,  o respeito dos concidadãos.
    Um governante, em qualquer nível de mandato ou de cargo, verá que a sua imagem não é aquela que ele vê no espelho em sua casa ou no palácio, tendente ao narcisismo. Será antes uma imagem disforme à semelhança do que ocorreu com  o personagem Dorian  Gray, de Oscar Wilde (1854-1900).
     Essa imagem desfigurada,  horrorosa, feia, caricata,  seria a verdadeira imagem que o dirigente  político, caso desse atenção aos gritos da sociedade,  teria de si  junto  aos milhões de  usuários do Face e de outros  meios de comunicação  virtual ou mesma  impressa, por exemplo, as das Cartas ao leitores do jornais de grande circulação.
   Seria a imagem do que pensam  os que lhe apontam  erros, não a dos que teimam em lhe dizer e aos outros que não está nu, quando,  na verdade,  está nu, segundo relata um conto de  Hans Christian Andersen ( 1805-1875). Nada se ajustaria melhor  como  fábula ao  atual cenário político nacional  do que   esta  contrafação de um rei, um imperador  que desfilava sem roupas, enquanto os seus súditos e áulicos confirmavam (falsamente e por interesse  subalterno) que estava, sim,  nu, ao contrário de uma  criança   que, no desfile,  despojada de  hipocrisia, dizia com toda a espontaneidade  de sua idade: “O rei está nu.”